“Morre o Príncipe do Brasil”. Esta poderia ser uma notícia bombástica na imprensa brasileira do século XIX, mas o fato dela ter sido noticiada no dia 8 de novembro de 2024, 135 anos após a Proclamação da República, tornou tudo ainda mais surpreendente e revelador no que se refere à forma como o Brasil lida com o seu passado. Quando a notícia da morte de Dom Antonio de Orleans e Bragança, aos 74 anos, é dada na imprensa, juntamente com o título de “príncipe” do Brasil e quando parte dos cidadãos do Brasil republicano endossam o título fictício, precisamos conversar sobre como o país lidou e lida com seus momentos de ruptura e transição e suas feridas abertas.
O Brasil do final da década de 1880 vivia uma ebulição política e social. Havíamos recém experimentado um momento de enorme ruptura, com a abolição da escravidão, mas a forma como lidávamos com o imenso contingente de pretas e pretos libertos prenunciava a nossa tendência a ver o passado como um lugar de esquecimento e não de aprendizado. No dia 15 de novembro de 1889, os militares iniciam um golpe que poria fim à única monarquia das Américas. “O povo assistiu bestializado” a quartelada, anunciava o republicano radical Aristides Lobo. Mas será mesmo?
A historiografia contemporânea aponta que o movimento não foi nada espontâneo, mas sim fruto de uma articulação golpista, que envolvia não somente os militares. O golpe também é a vitória, ainda que momentânea, de um dos diversos projetos de Brasil que estavam em disputa naquele período. Dentre estes projetos tínhamos dos mais democráticos e populares, aos mais autoritários e elitistas. É importante lembrarmos disso. A forma como a República do Brasil foi proclamada não estava escrita previamente.
Em nome do famigerado “olhar para frente”, o projeto vencedor do Brasil republicano decidiu não pensar muito tempo sobre o que representou para o país as suas décadas de monarquia. Da mesma maneira, fizemos com a transição do trabalho escravizado para o livre. Antes mesmo, passamos por isso na Independência e posteriormente nas transições das ditaduras de Vargas e da cívico-militar para a democracia. Encarar nossas feridas não é um processo simples e pacífico. Causa incômodo, rusgas, mas é a única maneira de encontrarmos as ferramentas para evitar que os erros do passado se repitam.
Mas não se enganem. O “esquecimento do passado” não é acidental e sim um projeto. Nas disputas sobre que tipo de sociedade queremos, aqueles que pregam pelo esquecimento o fazem como projeto. Um projeto de manutenção de poder e privilégios.
Quando não sentamos para discutir e aprender com a nossa História, precisamos lidar com a notícia do falecimento de supostos príncipes e com aqueles que, abertamente, defendem e homenageiam torturadores da ditadura. As consequências do esquecimento não são só simbólicas ou narrativas. Têm efeitos na vida prática. Pergunte para os moradores da cidade de Petrópolis que pagam um imposto para família real ainda hoje, ou para aqueles que foram atacados e ameaçados pela turba do 8 de janeiro. Seguir em frente sim, mas sem jamais deixar de olhar para trás.
(*) Renan da Cruz Padilha Soares é doutorando em Educação e professor dos cursos de História, da Área de Línguas e Sociedade, do Centro Universitário Internacional Uninter, e Mariana Bonat Trevisan é doutora em História e professora dos cursos de História, da Área de Línguas e Sociedade, do Centro Universitário Internacional Uninter
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JULIA CRISTINA ALVES ESTEVAM
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