Jorge Calazans*
A NUI Social, após ser proibida de operar nos Estados Unidos devido a práticas fraudulentas, transferiu suas atividades para o Brasil, onde estruturou uma associação criminosa sem registro formal, como a obtenção de um CNPJ. Após causar prejuízos significativos a investidores brasileiros, os responsáveis pelo esquema agora induzem as vítimas a acreditarem que uma ação judicial nos EUA resolverá seus problemas, solicitando, inclusive, contribuições financeiras para tal iniciativa. Essa estratégia representa um “golpe dentro do golpe”, desviando a atenção das responsabilidades locais e explorando ainda mais aqueles que já foram lesados.
Com a entrada em vigor do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), o crime de estelionato passou a exigir representação da vítima para que a ação penal seja iniciada. O prazo para essa representação é de seis meses a partir do conhecimento do autor do crime. No contexto da NUI Social, esse prazo se esgota em dezembro. A manipulação atual, ao direcionar as vítimas para uma ação nos EUA, pode ter como objetivo fazer com que o prazo decadencial expire, impedindo a responsabilização criminal dos envolvidos no Brasil.
Processar a NUI Social nos Estados Unidos apresenta diversos obstáculos. A empresa, já proibida de operar em solo americano, não possui uma presença legítima nos EUA, tornando complexa a justificativa para uma ação naquele país. Tribunais americanos geralmente não aceitam casos de investidores estrangeiros sem uma conexão substancial com o território americano. Além disso, litígios nos EUA são notoriamente caros, incluindo honorários advocatícios, taxas processuais e custos com tradução de documentos. Sem garantias de sucesso, esses gastos podem não ser viáveis para as vítimas.
Reunir evidências admissíveis nos tribunais americanos requer acesso a documentos específicos e testemunhas, o que pode ser difícil para vítimas no Brasil. As leis de valores mobiliários dos EUA são complexas, e a NUI Social pode argumentar que as vítimas investiram por conta própria, dificultando a responsabilização da empresa. O processo de “discovery” nos EUA exige transparência na apresentação de provas, o que pode ser desafiador sem acesso direto a registros internos da NUI. Barreiras de idioma e diferenças culturais podem complicar a comunicação e a compreensão dos processos legais nos EUA. A NUI Social pode declarar falência nos EUA para evitar responsabilidades, prática comum em esquemas fraudulentos, dificultando a recuperação de ativos. As autoridades dos EUA podem não priorizar casos de fraudes internacionais sem conexão direta com o mercado americano. Advogados nos EUA seguem regras éticas rígidas e podem hesitar em representar clientes estrangeiros em casos com provas limitadas e perspectivas incertas. Tribunais americanos podem sugerir que as vítimas busquem resolução no Brasil, onde a fraude ocorreu, tornando o processo nos EUA inviável.
Há relatos de que os responsáveis pelo esquema estão induzindo as vítimas a contribuir financeiramente para uma ação nos EUA, com a promessa de soluções que provavelmente não se concretizarão. Essa prática não apenas explora ainda mais as vítimas, como também desvia recursos que poderiam ser utilizados em ações mais viáveis no Brasil.
As vítimas devem ser cautelosas com promessas de soluções rápidas e fáceis, especialmente quando envolvem contribuições financeiras adicionais. É aconselhável procurar advogados especializados em fraudes financeiras no Brasil, que compreendem o contexto legal e podem oferecer estratégias mais eficazes para a recuperação de ativos. Organizar ações coletivas no Brasil pode aumentar a pressão sobre os responsáveis e facilitar a recuperação de parte dos prejuízos. Relatar às autoridades brasileiras as práticas fraudulentas e a manipulação contínua pode resultar em investigações e possíveis sanções contra os responsáveis.
Dessa forma, fica claro que a promessa de uma ação judicial nos EUA como solução para os prejuízos causados pela NUI Social é, na melhor das hipóteses, impraticável e, na pior, uma continuação da exploração das vítimas. É essencial que as vítimas busquem soluções viáveis dentro do sistema jurídico brasileiro e evitem cair em novas armadilhas. Além disso, é crucial que as vítimas apresentem a representação formal às autoridades competentes no Brasil antes do término do prazo decadencial em dezembro, garantindo assim a possibilidade de responsabilização criminal dos envolvidos.
*Jorge Calazans é advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras
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CAIO FERREIRA PRATES
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