“Para tentar falar sobre o silêncio, é necessária a arte de escolher minuciosamente os fragmentos, as falhas e as faltas dos sentimentos, das histórias e também das palavras. ‘De repente nenhum som’, de Bruno Inácio, realiza essa arte com a delicadeza de um poeta e a sutileza de um autoficcionista.”
Jacques Fux, escritor, no texto da quarta capa
Escrever é disparar flechas com as palavras. Essa parece ser a premissa do jornalista, escritor e crítico literário Bruno Inácio (@bruno.s.inacio) na obra recém-lançada “De repente nenhum som” (Sabiá Livros, 112 págs.), seu terceiro livro, em que comprova sua potência como narrador. Composto de 12 contos breves, nos quais as palavras parecem jorrar da ponta de sua caneta com brutal delicadeza, Bruno vai tecendo uma teia que, aos poucos, se une por um fio invisível, que atinge o leitor como um tiro ao alvo.
Em “De repente nenhum som”, o autor passa por narrativas que abordam relações familiares e discutem temas como o luto, a velhice, a solidão, o desconforto e, principalmente, o silêncio. O livro conta com texto de orelha assinado pela escritora Marcela Dantés, prefácio de Monique Malcher e posfácio de Lilia Guerra. Os blurbs da quarta capa são de Carlos Eduardo Pereira e Jacques Fux. Já as ilustrações, do quadrinista Orlandeli.
A ideia para o livro nasceu de uma experiência traumática. “Em 2018, a minha avó materna caiu sozinha em seu quintal e não teve forças para se levantar. Esse acontecimento me impactou muito. Fiquei pensando sobre essa fragilidade, esse corpo que já não consegue se reerguer”, conta. “Minha avó faleceu naquele mesmo ano e deixou um grande vazio em toda a família. Algum tempo depois, em 2019, senti a necessidade de revisitar essa história e escrever um conto em que a protagonista passa pela mesma situação”, contextualiza o escritor.
As nuances do silêncio na literatura de Bruno Inácio
Um dos temas centrais e que merece destaque na obra é o silêncio em suas múltiplas e mais diversas formas. Um silêncio abrangente e cheio de nuances. Em cada um dos contos, ele aparece sob uma forma diferente. “O tema me pareceu ainda pouco explorado na literatura brasileira contemporânea, o que tornou o processo de escrita ainda mais interessante”, analisa Bruno.
Em “A Porta Amarela”, por exemplo, um sujeito chamado Ribeiro vive trancado em casa porque acredita que “lá fora é perigoso, tem tiro e golpe e sujeira e mentira e doença”. Através da sua ligação íntima com o pintor Cândido Portinari, o personagem tenta se convencer a todo custo de que “há na solidão um charme irresistível”, embora o seu silêncio revele muito mais do que as palavras podem dizer.
No conto “Céu de Ninguém”, inspirado na queda de sua avó, Bruno retrata uma idosa que cai logo após sair de casa e se sente humilhada pela incapacidade do seu corpo de se proteger e reagir. O seu silêncio espantoso diante da velhice é retratado também de maneira crua: “A velhice humilha. Essa carcaça já não me pertence. Reuni todas as forças restantes para um grito. Sacrifício dos mais bestas. Ninguém vem em socorro. Choro humilhada. Não queria ser vista assim. Nunca.”
Não à toa, “De repente nenhum som” vem recebendo uma série de críticas positivas de grandes escritores brasileiros contemporâneos. Na orelha do livro, a renomada escritora Marcela Dantés escreve que “Bruno Inácio entende que a força pode residir no silêncio, no miúdo, na costura bonita das linhas das mãos de personagens que são assim: da ordem do dia, mas, também, da ordem do impossível”.
Outra que se dedicou à obra foi Monique Malcher, escritora e antropóloga, que também destaca o silêncio da obra no prefácio: “O escritor dos contos deste livro se ergue das ausências. É o avesso que salta aqui nas escritas de Bruno Inácio em ‘De repente nenhum som’. Silenciar não é se recusar a falar, é o fazer de outro modo. Ler essas páginas lhe fará crer que o silêncio acalenta e também invade, mas acima de tudo… inaugura.”
A linguagem como personagem
Nascido em Ituverava, interior de São Paulo, mas radicado em Uberlândia, Minas Gerais, Bruno Inácio é jornalista, crítico literário e também autor de “Desprazeres existenciais em colapso” (Editora Patuá) e “Desemprego e outras heresias” (Sabiá Livros). É colaborador do Jornal Rascunho e da São Paulo Review e tem textos publicados em veículos como Le Monde Diplomatique, Rolling Stone Brasil e Estado de Minas. Entrevistou grandes nomes da literatura brasileira contemporânea, entre eles: João Anzanello Carrascoza, Eliana Alves Cruz, João Silvério Trevisan, Raimundo Carrero e Cidinha da Silva.
Bruno conta que em “De repente nenhum som” buscou trabalhar com sensibilidade e originalidade uma escrita que se voltasse para a linguagem, para entender como cada personagem fala e pensa. “Esse, provavelmente, foi o aspecto em que mais investi meu tempo, pois acredito que a linguagem é tão importante quanto a história em si. Por conta disso, embora seja um livro bastante curto, levei cerca de três anos para escrevê-lo”, justifica.
A linguagem, assim, se torna também um dos protagonistas do livro. “Prefiro utilizar frases curtas e uma pontuação que deixe espaço para o silêncio, tema tão importante para a obra, sem deixar de lado o subtexto e o aspecto poético e delicado que esses contos exigiram de mim”, aponta Bruno.
A escolha pelo formato breve dos contos vem pelo fato de que Bruno considera o gênero mais desafiador, completo e inquietante. Suas influências literárias são diversas, passando pelo cinema e música, indo da literatura clássica à contemporânea. Ele cita Cazuza, João Anzanello Carrascoza, Valeria Luiselli, Jarid Arraes e Livia Garcia-Roza como principais referências para “De repente nenhum som”.
Seu próximo desafio está na escrita de um romance que conta a história de duas irmãs que não se falam há anos e se reencontram quando uma delas está à beira da morte: “Esse reencontro ganha novos significados a partir de um acontecimento improvável que beira o surrealismo.”
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Confira alguns trechos de “De repente nenhum som”:
“Esperar por um socorro que não vem é o eterno retorno de quem aguardava o carinho dos pais ou a resolução de problemas através do mergulho nas páginas de um livro.
Esperar é inútil.
Sempre tive de me virar. Me bastar. Me entender. Sempre tive que me abraçar quando tudo despencou. E agora, que eu mesma despenquei, não vai ser diferente. Não vai me doer menos.”(p.4)
“Há, na solidão, um charme irresistível. Ribeiro finge acreditar nisso. Especialmente aos domingos. Escolhe mais por coragem do que por medo. Ainda que abraçado a privilégios e falsas garantias. Não se adequa às expectativas nem se quebra pelos cantos.” (p.14)
“Não tinha rosto cansado nem coceiras discretas. Não gastava tempo afastando o invisível. O mundo estava ao alcance de seu indicador, o mesmo dedo que agora coça discretamente a bochecha esquerda.” (p.18)
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VERIANA RIBEIRO ALVES
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