Um dos últimos atos do ex-presidente Jair Bolsonaro, no apagar das luzes de seu governo, foi a publicação da Lei 14.514, em 30 de dezembro de 2022, com vetos aos dispositivos que previam o fortalecimento da estrutura da Agência Nacional de Mineração. De lá para cá, o Congresso Nacional tem derrubado parte dos vetos, mas ainda não destravou os trechos que preveem novos cargos e equiparação da remuneração na ANM e a implementação do Fundo Nacional de Mineração (Funam).
Para o setor mineral, o funcionamento pleno da autarquia depende da derrubada dos vetos que impactam seu fortalecimento. A Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) aponta que a “ANM vem sofrendo com constantes cortes e bloqueios de dotação orçamentária”. Lembra que “a arrecadação da CFEM vem evoluindo a cada ano e que 7% desse valor legalmente deveria ser repassado à ANM”. Em 2021, o valor superou R$ 10,2 bilhões, mas a agência reguladora recebeu apenas cerca de R$ 90 milhões, segundo a entidade que representa os municípios mineradores.
A AMIG explica, que na prática, a Lei 14.514, da forma que foi sancionada, determinou ser da competência da ANM a atribuição de regular, normatizar, autorizar, controlar e fiscalizar as atividades de pesquisa e lavra de minérios nucleares no país, mas revogou todos os dispositivos que dariam condições à agência para desempenhar as novas funções e aquelas que já executa.
“O sucateamento da ANM é um absurdo e vem se agravando desde a sua criação. Queremos crer que o Congresso derrube os vetos que estão tramitando na Casa sob a matéria VETO Nº 64/2022, para reparar esses danos à agência”, espera o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG, Waldir Salvador.
MP
Como alternativa aos adiamentos do Legislativo para derrubada dos vetos à lei que permite extração privada de minérios nucleares, o governo federal publicou uma medida provisória que inicia a equiparação dos salários dos servidores da ANM aos de outras agências reguladoras do país.
A MP, publicada no último dia 30 de dezembro no Diário Oficial da União, entrou em vigor em 1º de janeiro de 2024. Entre outros pontos, determina que os salários na agência sejam reajustados em três parcelas, sendo a primeira com 40% de aumento, paga este mês. Já a segunda e a terceira serão reajustadas em 30%, respectivamente, a partir de janeiro de 2025 e janeiro de 2026.
Na avaliação do professor de Ciências Políticas do Ibmec Brasília Eduardo Galvão, a entrada da iniciativa privada na exploração de minerais nucleares, especialmente o urânio, marca ”uma mudança significativa nas políticas públicas do país”. Ele lembra que a lei regulamenta o funcionamento da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), empresa pública que exerce, em nome da União, o monopólio da produção de urânio no país.
“A medida abriu as portas para que a estatal brasileira que detém o monopólio da produção e da comercialização de minerais nucleares pudesse estabelecer contratos com empresas privadas, para atividades que vão desde a pesquisa até a exploração e o comércio desses minerais”, detalha.
Segundo a INB, o Brasil possui a sétima maior reserva geológica de urânio do mundo — o que desperta interesse de outros países. Isso porque o minério é matéria-prima para a fabricação de bombas atômicas e outras armas letais, utilizadas pelas principais potências militares.
Galvão observa que a possibilidade de participação da iniciativa privada na mineração nuclear envolve não apenas aspectos econômicos, mas também de segurança nuclear e de impacto ambiental.
“Considerando, por exemplo, os trágicos incidentes nucleares que ocorreram no passado, o que acontece agora é que parlamentares ligados ao setor têm trabalhado para reverter o veto presidencial e garantir recursos para a ANM. Porque a Agência enfrenta esses desafios em seu quadro de funcionários e remuneração desatualizada”.
Ele ainda acrescenta: “Além disso, a discussão sobre o ambiente regulatório para mineração nuclear no Brasil despertou o interesse de investidores estrangeiros e também do mercado interno, que buscam oportunidades no vasto potencial geológico do país”.
Reestruturação
O deputado federal Zé Silva, do Solidariedade de Minas Gerais, é presidente da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável. O parlamentar defende que o fortalecimento da ANM vai atrair mais investimentos ao país e aumentar a geração de empregos, especialmente aos estados e municípios afetados pela mineração.
“Não há perspectiva de a mineração ser a âncora da transição energética e da reindustrialização do país, e também de ser base para um agronegócio mais competitivo — porque a mineração é a fonte de produção de fertilizantes —, sem que a ANM esteja estruturada com mais profissionais e com recursos para que tenha a tecnologia da informação garantindo maior celeridade e também segurança jurídica”, sustenta Zé Silva.