O escritor, ator e produtor paulista Vítor Depieri (@vi.depieri) estreia na literatura infanto-juvenil com “História para Toda Gente”, publicado pela Ases da Literatura. A obra mergulha em temas universais como identidade, afeto, saúde mental, luto e fé – uma fé espiritual, mas desvinculada de qualquer religião.
O livro explora a coragem necessária para sermos quem realmente somos e a covardia de nos escondermos diante das demandas e imposições sociais. “Por que precisamos tanto de coragem para sermos nós mesmos, se já o somos?”, provoca o autor. Nesse rastro de reflexões sobre identidade, coragem e covardia, surge uma narrativa que combina profundidade emocional e criatividade literária.
Um mergulho interior e a origem da narrativa
Vítor conta que a ideia para o livro nasceu de uma exploração interna e de suas “gavetas”, tanto literais quanto metafóricas. “Imaginei a storyline de uma narrativa infanto-juvenil protagonizada por uma criança — talvez eu tenha ficado de bode dos adultos”, brinca.
O ponto de partida foi a história de “um menino que quer brincar de suas próprias brincadeiras, mas ninguém quer brincar com ele. Então ele cede às brincadeiras das outras crianças, até que começa a sumir literalmente”. Com isso, a estrutura narrativa se formou naturalmente: prólogo, ato e epílogo, posteriormente nomeados como Parte 1 – Alguém, Parte 2 – Aventura, Parte 3 – O Final.
O menino, ao desaparecer, vai parar na Terra dos Sonhos Perdidos, um lugar que brinca com a ideia da Terra do Nunca e os meninos perdidos de Peter Pan. Essa estrutura e ambientação dão ao livro um tom de realismo mágico, um estilo que caracteriza a obra de Vítor.
Infanto-juvenil para todas as idades
Embora seja sua estreia na literatura, Vítor mostra uma segurança criativa ao explicar a escolha pelo gênero infanto-juvenil. “A ideia do gênero surgiu junto com a storyline, de maneira pouco racional. Foi uma escolha acertada. Como dizia Maurice Druon, as crianças não têm tantas ideias pré-fabricadas como os adultos, por isso escutam com mais facilidade e atenção. Ao mesmo tempo, a narrativa trata de questões com uma profundidade que os adultos conseguem assimilar melhor, pelo tempo de vivência que têm”, reflete.
O design do título, com a palavra “criança” rabiscada, reforça a ideia de que é uma história para crianças, mas não só. O livro oferece múltiplas camadas de leitura, atingindo tanto jovens quanto adultos.
Raízes, influências e processos criativos
Vítor Depieri nasceu em Mogi Guaçu, em 1995. É escritor, ator e já foi professor. Ele co-escreveu a peça teatral Arco-Íris Sob um Céu Escuro (2020), vencedora dos prêmios de Melhor Texto Original e Melhor Espetáculo no Festival Art In Vento 2022. Em 2023, integrou o elenco de apoio da peça A Herança, ganhadora dos prêmios Bibi Ferreira de Melhor Peça de Teatro e Melhor Espetáculo por Voto Popular.
Em 2024, Vítor produziu o curta-metragem Aurora e o espetáculo Casa da Rua Onze, ambos autorais, que escreveu e protagonizou. Agora, com História para Toda Gente, publicado pela Ases da Literatura, ele faz sua estreia como autor de um livro.
Entre suas influências, destacam-se Clarice Lispector, Walcyr Carrasco, Michel Piquemal e Adriana Falcão, além da mitologia grega. Ele também carrega inspirações da infância, como os programas Mundo da Lua e Castelo Rá-Tim-Bum, e a magia das telenovelas.
Seu processo criativo é igualmente peculiar. “Escrevo em pé, como estou agora, diante de um balcão alto”, conta. Entre caminhadas, música e diálogos em voz alta consigo mesmo, suas ideias fluem de forma intensa e orgânica.
Com sua sensibilidade artística e uma escrita cativante, Vítor Depieri entrega em História para Toda Gente uma obra que transcende categorias, tocando leitores de todas as idades e mostrando que as histórias mais mágicas são aquelas que conversam diretamente com a alma.
Confira um trecho de “História para toda gente”:
Era o dia seguinte ― outro dia estranho. As nuvens tomavam conta do céu, mas não de uma maneira bonita.
E eu continuava me enxergando às vezes sim, às vezes não.
Minha mãe e meu pai marcaram uma consulta com o médico para mim. “Até lá, faça tudo normal”, disseram. E me levaram para a escola.
Na hora do recreio, os colegas afirmaram: “Vamos jogar futebol!”
Eu estava muito pouco animado. Mas fui…
E logo me posicionei: “Eu fico na defesa.” (Era onde eu sempre ficava.)
O apito soou. O jogo começou.
E os colegas se movimentando, e a bola rolando. Até que veio rolando na minha direção.
O capitão do meu time gritou para mim, me alertando: “Chuta para…”
Eu não ouvi a continuação da frase.
“O quê?”, eu perguntei, enquanto via o time adversário se aproximando de mim e da bola.
O capitão do meu time insistiu: “Chuta para…”
De novo, eu não ouvi a continuação da frase. Mas, desta vez, eu não ouvi também o barulho dos outros jogadores ou qualquer som do ambiente.
De repente, eu não ouvia nada!
E, sem pensar, me preparei para chutar a bola para qualquer lado. E chutei. Mas não senti o chute.
A bola passou por mim. Não do meu lado direito ou do meu lado esquerdo. Ela me atravessou, como se eu não estivesse ali.
Um jogador do time adversário surgiu atrás de mim, dominou a bola, chutou em direção ao gol e…
GOOOOOOOOOOLLLLL!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
O capitão do meu time se aproximou de mim, já irritado: “Você não está prestando atenção no jogo?”
“Eu estou! Mas não te ouvi.”
O capitão insistiu, ainda mais irritado: “Não vai responder?”
“Eu acabei de te dizer que…”
O capitão me interrompeu: “Então você está fora do time!”
Eu gritei, muito furioso: “Estou tentando explicar que…”
Mas o time já se reorganizava para continuar o jogo sem mim.
Eu gritava. Eles não me ouviam. Quer dizer, não só eles…
Eu percebi que também não me ouvia!
[…]
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ANA LAURA FERRARI DE AZEVEDO
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