Um documento divulgado pela ONU – em tradução livre Enlaçando a próxima geração: como a indústria do tabaco captura novos clientes – estima que, mundialmente, 37 milhões entre 13 e 15 anos estão fazendo uso do tabaco. Os adultos que fumam começaram quando tinham menos de 21 anos. Os fabricantes de cigarros eletrônicos (ou vapes) utilizam estratégias de marketing sem precedentes para conquistar novos adeptos. “Os produtos passam uma imagem de modernidade, visando fisgar crianças e adolescentes, e infelizmente a empreitada é bem-sucedida”, explica a assessora científica da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, Jaqueline Scholz. A SOCESP promoveu, ao longo do mês de agosto, ações de conscientização sobre os males do tabaco com postagens, entrevistas e podcasts sobre o tema nas mídias sociais e site da entidade.
Segundo a especialista em tratamento do tabagismo, os cigarros voltaram travestidos de dispositivos que lembram canetas, pendrives, batons etc. e têm aroma e sabor, o que ajuda a vender a ideia de serem inofensivos e não promoverem os mesmos danos do cigarro comum. “Mas é fake news, apesar de não exporem ao monóxido de carbono, uma vez que não há combustão, o vape igualmente traz a dependência de nicotina”, explica Jaqueline Scholz. Pesquisa conduzida pela especialista indicou que os índices da substância no organismo de cerca de 30 usuários entre 13 e 56 anos equivalem a fumar 20 cigarros convencionais por dia. A conclusão foi feita por meio de testes semiquantitativo de cotinina na urina deles.
O documento da ONU elenca as artimanhas usadas mundo à fora para convencer os mais novos a experimentar os eletrônicos nos países que não contam com legislação impedindo a venda: apresentar o vape com elementos do universo infantil, como desenhos animados ou com apelo tecnológico; comercializar perto de escolas; exibi-los junto a lanches, doces ou bebidas açucaradas; comercializar em espaços digitais, como mídias sociais, serviços de streaming e de jogos; garantir o endosso de influenciadores e celebridades; patrocinar eventos voltados aos jovens; redução de preços e promoções “compre um, ganhe outro”; distribuição de amostras grátis; oposição às leis e lobby para conseguir regulamentação e até atividades de responsabilidade social corporativa para que aconteça uma percepção positiva dessa indústria.
O comércio ou distribuição dos cigarros eletrônicos é proibido no Brasil, desde 2009, pela Anvisa. Mas o projeto de lei (PL 5008/2023) em andamento no Senado Federal, se aprovado, irá autorizar a produção, o consumo, a venda, a exportação e a importação dos cigarros eletrônicos. A proposta, que está com pedido de vista desde julho passado, poderá ser votada em breve.
“Mesmo em países como o Brasil, onde o vape é proibido, o comércio dos eletrônicos acontece muito em função das redes sociais, que prestam este desserviço à sociedade ao incentivarem e viabilizarem a compra. Instagram, Facebook e Tik Tok são alguns dos canais utilizados pela indústria do tabaco”, conta Jaqueline Scholz com base no documento da ONU.
Pesquisa com pessoas na faixa etária entre 15 e 30 anos em quatro países que restringem a propaganda revelou que 85% dos participantes foram expostos ao marketing do cigarro eletrônico. Em levantamento da SOCESP, 90% dos entrevistados quando questionados sobre quais fatores podem aumentar a chance de doenças cardíacas, não apontaram o cigarro. Outro dado da SOCESP é que os eletrônicos podem responder pelo ligeiro aumento daqueles que se declararam fumantes e fumantes passivos nessa pesquisa em relação à anterior: respectivamente, 21 e 23% contra 20,3% e 22% da última edição.
A Organização Mundial da Saúde estima que cerca de oito milhões de pessoas morrem anualmente em consequência do hábito de fumar – no Brasil são cerca de 200 mil óbitos ao ano. “E o músculo cardíaco é o órgão mais prejudicado pela nicotina, responsável por liberar adrenalina, que acelera o coração, aumenta o consumo de oxigênio e a pressão arterial. O usuário de tabaco tem o risco de morte súbita até quatro vezes maior do que quem não fuma”, completa a cardiologista.
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JOSE ROBERTO LUCHETTI
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