A depressão é uma doença silenciosa e complexa que atinge milhões de pessoas ao redor do mundo. Quando um cônjuge é diagnosticado, o impacto é sentido por todo o núcleo familiar. Recentemente, o cantor sertanejo Zé Neto, da dupla com Cristiano, anunciou um afastamento de 90 dias dos palcos para tratar a depressão, lançando luz sobre um problema que, embora comum, ainda é cercado por estigmas e incompreensões.
Para o parceiro que convive diariamente com alguém em depressão, cuidar pode ser extremamente desgastante. A empatia e o apoio são essenciais, mas é importante manter um equilíbrio cuidadoso entre oferecer suporte e preservar a própria saúde mental. Sem isso, os riscos de esgotamento são altos.
“Como sempre relato quando o tema é depressão: a depressão sorri. No âmbito externo, fora de casa, amigos, colegas de trabalho e outras pessoas são muitas vezes as últimas a perceber que alguém está padecendo de depressão. Para essas pessoas, quem sofre da doença usa uma espécie de máscara. Contudo, para quem convive diariamente no mesmo lar, alguns sinais podem ajudar a salvar uma vida: tédio constante, perda de interesse ou abandono de atividades que antes eram prazerosas, insônia, alterações no apetite, mudanças de humor, isolamento, queda na autoestima e falas de desesperança relacionadas à vida”, explica Amanda Souza, psicanalista.
Segundo a especialista, ao notar esses sinais, é imprescindível agir. Amanda ressalta que o ideal não é esperar que a pessoa procure ajuda por conta própria, mas sim conduzi-la de forma acolhedora e empática a um acompanhamento médico e psicológico especializado.
Desafios
Conviver com um parceiro em depressão exige paciência e compreensão. A doença pode se manifestar de diversas formas, como tristeza profunda, apatia, irritabilidade e até distanciamento emocional. Para o cônjuge, lidar com essas mudanças comportamentais e com a sensação de impotência diante da doença pode ser desafiador.
A pressão para ser a principal fonte de apoio emocional pode levar ao esgotamento. Muitos cônjuges acabam negligenciando a própria saúde mental na tentativa de “salvar” o parceiro. Esse comportamento pode resultar em sentimentos de culpa, frustração e, em casos mais graves, depressão secundária, onde o cuidador também se torna vítima da doença.
“Sei que quem ama cuida, mas é preciso estar atento. O excesso de preocupação ou dedicação com a pessoa amada pode levar os familiares à exaustão mental, além de provocar transtornos como ansiedade e depressão. Por isso, é importante que a família apoie quem está com depressão, mas sem autocobrança excessiva ou culpa. É fundamental lembrar que o transtorno depressivo não é causado apenas por traumas, mas também por fatores genéticos. Se a família garante acolhimento e orientação médica e terapêutica, não há razão para se culpar. O transtorno mental é algo que ninguém controla”, ressalta Amanda.
Cuidados
Para cuidar de alguém com depressão sem adoecer, é crucial estabelecer limites saudáveis. Isso inclui reconhecer que, embora o apoio emocional seja importante, não cabe ao cônjuge resolver todos os problemas do parceiro. Procurar ajuda profissional, como terapia individual e de casal, pode ser essencial para garantir que ambos recebam o suporte necessário.
Além disso, é vital que o cônjuge mantenha sua própria rede de apoio, composta por amigos, familiares ou grupos de suporte, onde possa desabafar e recarregar as energias. Atividades que promovem o bem-estar, como exercícios físicos, hobbies e momentos de lazer, também são essenciais para manter a saúde mental.
“É importante não deixar de lado o lazer. Muitos cuidadores acabam vivendo um luto, se resguardando e achando que não têm o direito de se divertir ou continuar com suas atividades cotidianas. Essas atitudes comprometem sua saúde mental. Quem cuida precisa entender que é possível ter empatia e cuidar da pessoa em depressão, ao mesmo tempo em que continua a viver sua própria vida. Não é crime, nem falta de amor. Pelo contrário, isso pode até estimular o paciente a voltar a ter o desejo pela vida”, reforça Amanda.
Ela também destaca que quem cuida de alguém com depressão deve buscar acompanhamento terapêutico, para manter sua própria saúde mental.
O Caso Zé Neto: a depressão não escolhe vítimas
O afastamento de Zé Neto é um lembrete de que a depressão não escolhe suas vítimas com base em status ou classe social. O cantor sertanejo, conhecido por sua carreira de sucesso ao lado de Cristiano, optou por priorizar sua saúde mental em um momento crítico. Seu caso destaca a importância de reconhecer a necessidade de pausa e tratamento, algo que muitos relutam em fazer por medo de julgamento ou estigmatização. Ao falar abertamente sobre sua luta, Zé Neto ajuda a desmistificar a depressão, incentivando outras pessoas a buscarem ajuda sem medo ou vergonha. Para os cônjuges que acompanham de perto essa jornada, a principal lição é que cuidar do outro começa com o cuidado de si mesmo. Afinal, a saúde do relacionamento depende do bem-estar de ambos.
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde divulgou que cerca de 196 milhões de pessoas viviam com depressão no mundo. Em 2024, esse número já ultrapassa os 300 milhões. No Brasil, considerado o país mais depressivo das Américas, mais de 11 milhões de pessoas sofrem com a doença. De acordo com Amanda Souza, quanto mais vulnerável socialmente, menos acompanhamento profissional a pessoa terá. “O transtorno mental afeta pessoas de diferentes classes sociais, mas as menos favorecidas sofrem mais, pela inacessibilidade ao tratamento de qualidade. É por isso que a saúde pública precisa melhorar, para oferecer melhor suporte à sociedade”, afirma.
Ser Humano em Foco
Especialista em escuta qualificada, Amanda Souza é psicanalista com cinco anos de experiência. Ela atende pacientes em seu consultório no Rio de Janeiro (RJ) e mantém um canal nas redes sociais, onde oferece atendimento a pacientes de outros estados do Brasil, da Europa e dos EUA. Com expertise no cuidado da saúde mental, Amanda tem ajudado a promover o equilíbrio físico e mental de centenas de pessoas.
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KARINA DA SILVA SOUZA PINTO
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